quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Pablo Neruda foi um poeta do mundo e, portanto, um poeta viajante. Foi a voz do povo, com uma linguagem simples e dicção original. Sensível, social, preocupado com os destinos do homem. Ainda jovem foi cônsul do Chile em distantes capitais do sudeste asiático, experiência que marcou seu trabalho. Depois, embaixador no México e em várias capitais européias, entre as quais Madri em plena guerra civil. Exilado político, tornou-se um porta-voz itinerante dos humilhados e ofendidos da América marginalizada. A terra natal de Neruda, o sul do Chile, está presente em toda a sua poesia. E, às vésperas da morte, ele reiterou nos poemas de 'Ainda' o intenso amor que sempre sentiu por aquele país de borrascas, índios rebeldes e imorredouras lições de liberdade que, recebidas na infância, sua poesia eloqüente e generosa espalhou por entre os homens de todas as latitudes.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Reserva de vagas no ensino público brasileiro - legalidade

Reserva de vagas no ensino público brasileiro


Depois de muitas articulações na Câmara dos Deputados, anuncia-se agora a votação do Projeto de Lei n° 73/99, que implementa o sistema de reserva de vagas no ensino público brasileiro.

O tema, em si polêmico, concentra o debate em torno de dois pontos, ou argumentos principais: o primeiro, fundado na idéia de que a inovação proposta comporta um privilégio incompatível com o princípio republicano da igualdade. E privilegiar, como dizem os seus opositores mais intolerantes, significa tratar com regalias excepcionais, pessoas já muitas vezes contempladas na área privada, ou através de benesses do próprio poder público, inserindo no ensino superior minorias beneficiárias de uma política injustificadamente protecionista.

Tal linha de argumentação, todavia, não resiste a maior exame, porquanto o Projeto de Lei n° 73/99 visa apenas a transformar em política nacional os legítimos anseios da sociedade brasileira, no sentido de construir uma universidade mais democrática, por isso mesmo acessível a maior número dos excluídos sociais, e capaz de resgatar jovens de classes, raças, ideologias, crenças religiosas e outros confinamentos econômicos e sociais, preparando-os para o mercado de trabalho e o pleno exercício da cidadania.

Esse, aliás, é um dos mais nobres objetivos na Nova República, inaugurada, ou preconizada, pela festejada Constituição de 1988. Sob tal inspiração, o projeto pode se transformar em um instrumento valioso no esforço de superação do problema do não-cidadão, daquele que não participa política e democraticamente dos bens sociais, como lhes assegura a letra as Carta Magna. E isso ocorre exatamente por falta de oportunidade e de meios efetivos para se igualar com os demais. Por isso, é mister lembrar que cidadania não combina com desigualdades, república não combina com preconceito e democracia não combina com discriminação.

Em verdade, a política de reserva de vagas no ensino superior atende, neste particular, ao objetivo fundamental da própria República, da nação brasileira. Objetivo que consiste em promover a justiça social e alcançar uma sociedade solidária, facultando-se o acesso aos bens públicos, sobretudo para os que mais necessitam dessa almejada igualação. Ainda que, par tanto, o Estado tenha que redistribuir oportunidade, recursos, bens e direitos de modo desigual com a finalidade de possibilitar entre cidadãos, uma distribuição paritária e mais justa de seus benefícios sociais.
O segundo argumento esta em se pré-questionar, desde logo, a constitucionalidade do projeto.

Ora, isso seria o mesmo que afirmar que o controle preventivo de constitucionalidade exercido no processo político de elaboração das leis, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, é ilegítimo, ou inútil. Além do que, no sistema jurídico brasileiro, é o Supremo Tribunal Federal que decide sobre a constitucionalidade, ou não, das normas legais em vigor. Decisão esta que te efeito vinculante, geral e obrigatório. Enquanto essa manifestação do STF não ocorre, todas as normas gozam de presunção de constitucionalidade. Portanto, a aprovação do Projeto de Lei n°73/99, manifestada nas Comissões Temáticas e na Comissão de Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, já o reveste de constitucionalidade prévia para refutar os posicionamentos mais conservadores, e subsidiar a decisão final do STF com a força constitucional que se traduz também na necessidade de implementação de políticas de diversidade e diferenças no acesso ao ensino superior, como forma da igualdade constitucional.

Assim, o preceito constante do art. 5° da CF/88 não difere dos contidos nos incisos I, III e IV, do art. 206 da mesma Carta Política. Pensar-se o inverso é prender-se a uma exegese cega, meramente for mal, ou seja, a uma exegese de igualação dita estática, negativa, na contramão com a eficaz dinâmica, apontada pelo Constituinte de 1988 ao traçar os objetivos fundamentais da República Brasileira.

Neste cenário político institucional, não seria efetivamente democrática a leitura sem profundidade e preconceituosa da Constituição, nem seria cidadão o leitor que não lhe buscasse o verdadeiro sentido, apregoando o discurso fácil dos bens posicionados, ou superiormente posicionados, quase sempre pelas mãos calejadas dos discriminados. É preciso enfatizar que a correção das desigualdades é possível, mas para isso é necessário que façamos o que está a nosso alcance, o que está previsto na Constituição Federal, pois somente construiremos uma sociedade livre, justa e solidária, quando conseguirmos uma igualdade escolar entre brancos e negros, resgatando essa parcela significativa dos que ainda se desesperam por vencer as dificuldades criadas pelo preconceito e pela incompreensão da própria sociedade brasileira.

* Desembargador da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça – Carlos de Mello Tavares.

Ações Afirmativas

AÇÕES AFIRMATIVAS

O governo brasileiro, por meio de alguns governantes, viu como sempre com bons olhos as chamadas Ações Afirmativas. Outrora, no início do governo Getúlio Vargas, em 1931, o Brasil aprova a primeira lei de cotas que se tem notícias nas Américas: a Lei da Nacionalização do Trabalho, ainda hoje presente na CLT, que determina que dois terços dos trabalhadores das empresas sejam nacionais.

É cediço que com o surgimento da Justiça do Trabalho, naquele período, o Direito do Trabalho inaugurava, sem dúvida, uma modalidade de ação afirmativa que até hoje considera o empregado um hipossuficiente, favorecendo-o na defesa judicial dos seus direitos.

Sucede que em 1968, por iniciativa do Congresso, provavelmente pela pressão dos ruralistas, foi instituída cotas nas universidades, por meio da chamada Lei do Boi, que previa: “ Os estabelecimentos de ensino médio e agrícola e as escolas superiores de Agricultura e Veterinária, mantidos pela União, reservarão, anualmente, de preferência, de 50% de suas vagas a candidatos agricultores ou filhos destes, proprietários ou não de terra, que residam com suas famílias na zona rural e 30% a agricultores ou filhos destes, proprietários ou não de terras, que residam em cidades ou vilas que não possuam estabelecimentos de ensino médio.”

Certo é que na vigência da Constituição de 1988, o país adotou cotas para portadores de deficiência no setor público e privado, cotas para mulheres nas candidaturas partidárias e instituiu uma modalidade de ação afirmativa em favor do consumidor: dada à presunção de que fornecedores e consumidores ocupam posições materialmente desiguais, estes últimos são beneficiados com a inversão do ônus da prova.
Quando se fala dos indivíduos que sempre possuíram a mesma liberdade de escolha, associada às mesmas opções para essa escolha, a preferência fosse pela não intervenção do Estado no processo de busca que eles assumem por bens, direito e recursos públicos. De certo que isso justificaria qualquer desigualdade advinda dos limites encontrados nessa busca, como um resultado justo, natural.

Verifica-se, quando se fala sobre o debate de cotas raciais na Universidade tem se enfrentado essencialmente a questão de saber se é justo ou injusto o Estado regular os espíritos mais competitivos do mercado, ou se deve dele abstrair-se.


Não obstante, quando se trata de indivíduos para quem as alternativas de escolhas ou não são razoáveis, ou sequer não existem, então, o critério de justiça ou de neutralidade mais óbvio do Estado estaria na sua atuação em reaver esse desequilíbrio social. Em verdade, é justamente isso o que prevê o art. 206,I, da Carta Magna, ao estabelecer o principio da igualdade para o acesso e permanência na escola.

Como lado histórico deplorável se tem que: em 1950 quando o então vereador Cid Franco e o deputado Jonas Correia denunciaram na Câmara de São Paulo e na Câmara dos Deputados que instituições particulares de ensino, entre outras beneficiárias de recursos públicos, excluíam abertamente crianças negras. Isto é há pouco mais de 50 anos a decantada democracia racial ainda se esmera em dificultar o ingresso de negros no sistema de ensino.

Nesse compasso, verifica-se de modo incontroverso que o monopólio estabelecido no sistema educacional pelas elites qualificadas que assumiram o controle da coisa, pessoas, e do bem“ educação superior” em nome da meritocracia de onde emana poder e privilégios vários, acobertado, quase sempre, por ilegalidades.

Entende-se que o objetivo do Estado nessa matéria não é propriamente o de quebrar o monopólio das pessoas mais qualificadas, mais, sim, o de estabelecer limites às prerrogativas do poder que estas pessoas passam a exigir no mercado, reproduzindo desigualdade que se transmitem nas relações de raça e poder na sociedade.

Nota-se que quem define o posicionamento do Estado em relação a essa questão é a Constituição Federal; que preleciona como objetivo fundamental do Estado à redução das desigualdades sociais e a produção do bem de todos, o que significa que o papel fundamental do Estado é justamente o de impedir que contingências sociais e legais confinem cidadãos a viverem em classe fechada, quer sejam elas privilegiadas ou excluídas.

Como melhor entendimento, que norteia o verdadeiro espírito da justiça; ninguém melhor que John Rawls, o grande filósofo da justiça, segundo o qual: “os princípios de justiça e eqüidade seriam aqueles aceitos por unanimidade em uma situação hipotética, que denominou como “posição original”, na qual todos os indivíduos coincidiriam na hora de assinalar dois “bens primários”. Em primeiro lugar, os direitos e liberdades básicas; a liberdade do indivíduo deveria se estender até um limite marcado pela liberdade dos demais indivíduos. Em segundo lugar, as desigualdades econômicas e sociais deveriam ser modificadas para prover maiores benefícios aos menos favorecidos (o que denominou “princípio da diferença”).”

Inferi-se, ante o exposto, que o modo adotado pelo Estado brasileiro não pode ser outro senão o da regularização e promoção social como um todo. De sorte que, fora do contexto qualquer outro argumento, pseudo-intelectual, nada mais faz do que ilustrar o grau de prepotência, somado ao preconceito cordial ou de improvisação intelectual de setores elitistas.