AÇÕES AFIRMATIVAS
O governo brasileiro, por meio de alguns governantes, viu como sempre com bons olhos as chamadas Ações Afirmativas. Outrora, no início do governo Getúlio Vargas, em 1931, o Brasil aprova a primeira lei de cotas que se tem notícias nas Américas: a Lei da Nacionalização do Trabalho, ainda hoje presente na CLT, que determina que dois terços dos trabalhadores das empresas sejam nacionais.
É cediço que com o surgimento da Justiça do Trabalho, naquele período, o Direito do Trabalho inaugurava, sem dúvida, uma modalidade de ação afirmativa que até hoje considera o empregado um hipossuficiente, favorecendo-o na defesa judicial dos seus direitos.
Sucede que em 1968, por iniciativa do Congresso, provavelmente pela pressão dos ruralistas, foi instituída cotas nas universidades, por meio da chamada Lei do Boi, que previa: “ Os estabelecimentos de ensino médio e agrícola e as escolas superiores de Agricultura e Veterinária, mantidos pela União, reservarão, anualmente, de preferência, de 50% de suas vagas a candidatos agricultores ou filhos destes, proprietários ou não de terra, que residam com suas famílias na zona rural e 30% a agricultores ou filhos destes, proprietários ou não de terras, que residam em cidades ou vilas que não possuam estabelecimentos de ensino médio.”
Certo é que na vigência da Constituição de 1988, o país adotou cotas para portadores de deficiência no setor público e privado, cotas para mulheres nas candidaturas partidárias e instituiu uma modalidade de ação afirmativa em favor do consumidor: dada à presunção de que fornecedores e consumidores ocupam posições materialmente desiguais, estes últimos são beneficiados com a inversão do ônus da prova.
Quando se fala dos indivíduos que sempre possuíram a mesma liberdade de escolha, associada às mesmas opções para essa escolha, a preferência fosse pela não intervenção do Estado no processo de busca que eles assumem por bens, direito e recursos públicos. De certo que isso justificaria qualquer desigualdade advinda dos limites encontrados nessa busca, como um resultado justo, natural.
Verifica-se, quando se fala sobre o debate de cotas raciais na Universidade tem se enfrentado essencialmente a questão de saber se é justo ou injusto o Estado regular os espíritos mais competitivos do mercado, ou se deve dele abstrair-se.
Não obstante, quando se trata de indivíduos para quem as alternativas de escolhas ou não são razoáveis, ou sequer não existem, então, o critério de justiça ou de neutralidade mais óbvio do Estado estaria na sua atuação em reaver esse desequilíbrio social. Em verdade, é justamente isso o que prevê o art. 206,I, da Carta Magna, ao estabelecer o principio da igualdade para o acesso e permanência na escola.
Como lado histórico deplorável se tem que: em 1950 quando o então vereador Cid Franco e o deputado Jonas Correia denunciaram na Câmara de São Paulo e na Câmara dos Deputados que instituições particulares de ensino, entre outras beneficiárias de recursos públicos, excluíam abertamente crianças negras. Isto é há pouco mais de 50 anos a decantada democracia racial ainda se esmera em dificultar o ingresso de negros no sistema de ensino.
Nesse compasso, verifica-se de modo incontroverso que o monopólio estabelecido no sistema educacional pelas elites qualificadas que assumiram o controle da coisa, pessoas, e do bem“ educação superior” em nome da meritocracia de onde emana poder e privilégios vários, acobertado, quase sempre, por ilegalidades.
Entende-se que o objetivo do Estado nessa matéria não é propriamente o de quebrar o monopólio das pessoas mais qualificadas, mais, sim, o de estabelecer limites às prerrogativas do poder que estas pessoas passam a exigir no mercado, reproduzindo desigualdade que se transmitem nas relações de raça e poder na sociedade.
Nota-se que quem define o posicionamento do Estado em relação a essa questão é a Constituição Federal; que preleciona como objetivo fundamental do Estado à redução das desigualdades sociais e a produção do bem de todos, o que significa que o papel fundamental do Estado é justamente o de impedir que contingências sociais e legais confinem cidadãos a viverem em classe fechada, quer sejam elas privilegiadas ou excluídas.
Como melhor entendimento, que norteia o verdadeiro espírito da justiça; ninguém melhor que John Rawls, o grande filósofo da justiça, segundo o qual: “os princípios de justiça e eqüidade seriam aqueles aceitos por unanimidade em uma situação hipotética, que denominou como “posição original”, na qual todos os indivíduos coincidiriam na hora de assinalar dois “bens primários”. Em primeiro lugar, os direitos e liberdades básicas; a liberdade do indivíduo deveria se estender até um limite marcado pela liberdade dos demais indivíduos. Em segundo lugar, as desigualdades econômicas e sociais deveriam ser modificadas para prover maiores benefícios aos menos favorecidos (o que denominou “princípio da diferença”).”
Inferi-se, ante o exposto, que o modo adotado pelo Estado brasileiro não pode ser outro senão o da regularização e promoção social como um todo. De sorte que, fora do contexto qualquer outro argumento, pseudo-intelectual, nada mais faz do que ilustrar o grau de prepotência, somado ao preconceito cordial ou de improvisação intelectual de setores elitistas.
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